Sem atalhos

Oi galera do bem,

Os passos silenciosos levam às portas brancas. Tudo cheira a álcool e parece ter sido planejado e cuidadosamente pensado para  prever o pior. Na TV, a série médica fala dos remédios que você toma diariamente, mas tudo sempre regado com muito drama. House trata câncer com estilo, e faz de todo paciente um enigma a ser desvendado. Mas fora da TV é um pouco diferente.  A menina da novela, vomitou meia dúzia de vezes e ficou com olheiras, mas a música que tocaram quando ela raspou a cabeça era bonita. Mas na vida real é um pouco diferente. O menino do filme está sempre com o ar de derrota, e aceita perfeitamente o que o médico fala, ele não contesta, ele só chora. Mas na vida real é um pouco diferente. 

As vezes a imagem que fazemos do câncer é muito fantasiosa. Não existe mistério. É doença. Se trata. Se chora. 

Essa semana eu chorei o câncer. Ele tinha um gosto salgado. E secou na minha pele como qualquer outro choro. E depois que chorei, senti que tinha esvaziado meu peito, como das vezes que chorei, por amor ou por medo. Não acredito que meu problema seja maior do que o de ninguém, a diferença é que ele é visível, tátil, dói. Um dia, talvez eu entenda tudo que está nas entrelinhas dessas frases, e compreenda todas as lições que a vida me deu para aprender, por que as palavras tem um poder que não dimensionamos. 

Essa semana chorei o câncer, tive raiva e saudade. Ele tinha um gosto salgado, mas também amargo, intragável. Minha garganta foi cortada em centenas da partes e todas elas doíam. Mas as lágrimas secaram como em qualquer outro choro. E depois que chorei, fui no banheiro, lavei meu rosto para que ninguém percebesse que eu tinha chorado. E depois senti que tinha esvaziado meu peito, como das vezes que chorei por amor, ou por medo. Não acredito que meu problema seja maior do que o de ninguém, e as vezes quero sacudir a mulher que chora na recepção enquanto espera seu remédio. Quero dizer pra ela tirar a peruca e se olhar no espelho, e mostrar que a beleza estará onde ela quiser. Que a beleza está na bravura e no enxugar das lágrimas, dignas e brilhantes. Elas refletem a mulher que renasce. Ela  está nas cicatrizes e nos anos que não voltarão. Anos vividos. Convivendo com a doença. Vividos apesar da doença. É visível, tátil, dói. Ele pode tirar o que você tem de mais precioso. O tempo. Mas, amigos queridos, os tempos mais difíceis serão necessários, para vocês descobrirem o melhor, e o valor que isso tem. 

Não troco o peso valioso das lições do medo e incertezas, por uma vida mascarada de felicidade. Quero a vida sem retoques e atalhos. Nesse dia eu vou saber o que é viver. Nesse dia vou ser humana. De carne, osso e lágrimas... de pura felicidade.

"Tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta. O amor nunca falha; mas havendo profecias serão aniquiladas; havendo línguas cessarão; havendo ciência, desaparecerá; Porque, em parte, conhecemos, e em parte profetizamos; Mas quando vier o que é perfeito, então o que é em parte será aniquilado." Coríntios 13. 7-10

Quando Toti doou os linfócitos