QAVAH
A espera pode ser um exercício infeliz que revela nossa incapacidade. Essa não é uma visão pessimista, mas de pura realidade. E exercitar a paciência na espera parece de longe uma "brincadeira de mau gosto" que Deus escolheu para brincarmos, pelo menos é o que sinto às vezes, e talvez você não encontre muitas pessoas se permitindo falar isso, afinal, parecer bem resolvido e no controle de tudo parace uma postura mais adulta e madura. Hoje então eu proponho algo diferente, vamos falar da espera inquietante, pois é assim que se parece para mim no momento. E se você não está à espera de algo, bom para você, talvez o contentamento atravessou as fronteiras e agora você prova da vida sem expectativa de algo.
Estar à espera revela que meu coração tem um anseio, não apenas uma vontade, está mais parecido como uma bela antecipação de algo que não conheço ainda. Um sonho que um dia vai ser um dejavú, que de repente vai me fazer sentir familiarizada, algo que apenas caiu como uma luva. Estar à espera me faz ter pensamentos sobre o hoje e o amanhã, e isso é inquietante, toca minha percepção de tempo, e às vezes me deixa ansiosa.
Enquanto lia a bíblia, algo começou a saltar diante de mim, e era a tal espera. Essa palavra se repete constantemente, seja nas orações, nas profecias ou no decorrer de relatos impressionantes que leio, sempre existe uma espera. Mas o que eu não havia percebido até esse momento são as diferentes formas de esperar. E uma em particular captou o que me sinto provando nesse tempo, a espera de tornar-se. Não, isso não é um pensamento filosófico, essa é a palavra se tornando real. Qavah é uma das formas de descrever a espera no hebraico, idioma no qual foi escrito o antigo testamento na bíblia, existem outras (yachal, yachil, tsadah…) mas essa me chamou atenção pelo fato de ter outros significados que atribuem novas percepções sobre seu real significado, e uma delas é esperar por (provavelmente originalmente torcer, enroscar, esticar, tensão de suportar, unir). E aparece 49 vezes descrevendo a espera em diferentes situações, na maioria delas é usada para descrever a espera no Senhor, onde Nele é depositada grande expectativa. Em outras palavras "eu não sei como, mas sei que de Deus eu posso esperar algo grandioso", bem essa é uma versão que eu traduzi diante das circunstâncias atuais que orbitam ao meu redor. Nele eu posso esperar confiantemente, pois seu caráter será revelado. E isso não significa que tudo será resolvido como eu quero, mas como é preciso.
Mas torcer, enroscar, esticar, a tensão de suportar, tensionar ao ponto de unir não parece algo agradável, mas promissor, pois traz consigo algo transformador. Abraçar a espera e suas tensões está moldando a vida como Deus queria para esse tempo, se Ele quer que seja difícil, algo que não acredito, pois não parece muito com o caráter de Deus, afinal, Ele não se alegra do sofrimento do homem, mas algo necessário para provar do amor Dele de novas formas, para provar da vida plena não circunstancial, sim, que assim seja. E assim muito vai ficando pelo caminho basicamente tudo que estava entre eu e Ele, e essa jornada de ser torcido na espera é o desconforto necessário. Ser torcido implica proximidade, e isso deixa uma impressão, um rastro, um caminho.
Ao longo da vida acreditamos que o sinônimo de felicidade é a ausência de problemas, e que a calmaria vem da habilidade de não ser sobrecarregado pelo extenso trabalho de resolver problemas após problemas. Observando os últimos anos da minha vida, começo a chegar num pensamento diferente. A felicidade reside em descansar e habitar no caráter de Deus, em quem espero. Tudo ao meu redor muda rápido, tudo se move, tudo se esvai, mas algo está aqui, ao alcance das minhas mãos, uma palavra imutável, que atravessou a história e o tempo, criou e moveu circunstâncias. E diferente do meu momentâneo desconforto, essa palavra tem substância que me transforma, e se eu permito, molda minha visão e vida.
Talvez essa seja minha luta na espera, quando minha visão e vida relutam diante da mudança, como um burrinho teimoso que empaca no caminho, e nada parece poder movê-lo. A não ser que o burrinho mesmo decida se mover. E para isso, eu preciso abraçar a espera e tudo que ela requer de mim, ao ponto de ser unida àquele que promove a tensão da espera, como alguém que se vê cercado, onde todas as saídas e aparente possibilidades apontam, e elas requerem de mim o mesmo processo, não existem atalhos para isso, senão esperar, mas agora eu sei que posso escolher como esperar. E assim o exercício da espera pode seguir como um rio, cumprindo um caminho e um propósito, e o fim disso, sim, acredito ser algo muito bom, afinal, foi assim que cheguei até aqui, e algo nesse rio é familiar para mim, tem sabor de algo que eu já provei antes, um ar de sonho que se torna dejavú, e por isso, espero.
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Maria Rosa, artista |
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