Arrumando as caixas

    Neste lugar já pude relatar muitas mudanças que aconteceram ao longo dos anos. E mesmo quando houve um silêncio de quase 10 anos, experimentei mudanças geográficas e também mudanças internas que precisavam acontecer, e isso pedia um pouco de silêncio. Porém, algumas mudanças revelam algo ainda mais profundo e o que estou vivendo é um desses momentos. Por oito anos, eu e minha família, estivemos em Jaboatão dos Guararapes, cidade vizinha de Recife, servindo como missionários num ministério chamado Shores of Grace. Esses oito anos não foram apenas intensos, eles foram essenciais. Dizer que foi uma escola para nós seria minimizar o que todo esse tempo significou e causou em nós. Em mim. E após o final do nosso ano sabático, foi tempo de dar passos em direção ao que o futuro trazia, e Jesus foi tão gracioso ao nos permitir usufruir do descanso e da cura que precisávamos, tempo para conhecê-lo e estar com Ele. Tempo para ser, Nele. 

    Então, o que Ele começou a mostrar era um lugar familiar, que tocou minha trajetória e que surpreendentemente entrou na minha história. E foi nesse lugar que Jesus começou a caminhar, mas agora Ele traçava um caminho diferente, onde eu não apenas tinha um passado, mas um futuro. Acredite, foi uma jornada mais longa do que eu imaginava. Minha inicial resistência começou a dar lugar as afeições de Cristo, era compaixão sendo derramada num coração de pedra e me dando um coração de carne. Dia após dia, lágrima após lágrima. Eu me vi sonhando novamente com algo muito maior. Enquanto Jesus revelava a cura que Ele estava realizando, foi se tornando mais nítida a visão que Ele tinha para mim e para minha família. Como se Ele estive esperando ansiosamente para que esse momento chegasse, como um pai com uma mão gentil sobre os olhos do filho, enquanto se aproximam da surpresa que ele preparou. Mas o que sua mão revelou não foi um presente ou uma recompensa, mas foi algo muito melhor, foi o seu olhar e os seus sonhos, foi o seu coração. 

    De tantas histórias e aprendizados que vivemos aqui, que poderiam encher grandes caixas. E eu aprendi a carregá-las como generosas lembranças da bondade e fidelidade de Deus, pois Ele impregnou com sua essência todas as memórias, até as difíceis, e principalmente as difíceis. Sem elas o meu caráter não teria sido testado e moldado enquanto problemas surgiam de todas as direções. Carrego testemunhos escandalosos e muitos risos. Nesse lugar eu vivi comunidade como em nenhum outro, atravessei desertos e vales na minha alma, adorei com extravagância, aprendi a ser cheia na escassez, ter uma mente criativa e expectativa quando as circunstâncias não eram favoráveis, vivi maternidade e casamento, vivi amizade, vivi solidão. Vivi o que lia na palavra. Nesses anos, o extraordinário se tornou normal e o eterno se tornou diário. Nesses anos fui curada de dores antigas e renasci.

    Então, os últimos meses do ano sabático foram de provar e exercitar a gratidão. Sou grata por Jesus segurar minha mão e me conduzir por esse caminho, a fim de conhecê-lo, a fim de provar Dele. E Nele, agora me preparo para algo diferente, pois essa foi a palavra que Ele usou para descrever o que vai acontecer. Será diferente de tudo que vivi até agora. E isso foi o que fez minha segurança em acontecimentos anteriores estremecer. Deus está fazendo tudo diferente e por isso essa mudança não seria apenas mais uma mudança na minha vida. Era necessário viver o desconforto do desconhecido e ainda assim permanecer enraizada em Jesus.

    Agora, me vejo como a pessoa que planeja sem saber, que sonha sem certeza. O máximo que pode acontecer, é que as coisas aconteçam diferente do que imaginei. Mas se Jesus estiver de mãos dadas comigo, isso terá valido a pena. Se ao final, eu conhecê-lo mais, terá valido a pena. Temos uma palavra e isso nos basta. Temos um Cristo e isso basta. Quando reflito na palavra, as demais coisas se tornam menores, mais simples. Essa é régua da eternidade, colocando tudo no seu lugar. Quando me pego imaginando o lugar do próximo passo eu provo da insegurança humana, temporária. Por isso é tão importante aprender a encher as caixas com o que é eterno, aquilo vai servir o propósito, aquilo que será alimento para sempre, essas caixas precisam ser a prioridade, as demais coisas, elas serão acrescentadas. 

    Enquanto o próximo lugar não chega, continuo resistindo a tentação da antecipação não-sadia, da ansiedade. Nesse lugar, 
ancorada na verdade inabalável, aprendo que o destino não é mais importante que a jornada e o resultado não é mais importante que o processo. Meu alvo anda de mãos dadas comigo, isso muda tudo. Eu aprendo a apreciar esse tempo com um novo olhar, organizando e preparando as caixas que estão ao meu alcance. 

    Em breve estamos nos mudando para São Paulo. Um pouco mais perto, para não dizer, no meio do furacão. Sim, de volta a selva de pedra. Mais cheia, mais cinza, provavelmente mais barulhenta, e ironicamente, pela segunda ou terceira vez eu contando isso aqui no Espremendo o Limão.  Mas algo nessa história não me permite ver isso como d'javú, mas um novo capítulo, totalmente diferente: o que aconteceu nos anos de silêncio. Por isso, para que não se percam nas caixas das mudanças da vida, preciso registrar o que as incertezas das mudanças estão trazendo consigo: novos ares e novos sonhos. 

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