DES•CANSO

  


  A ideia de descanso parece cada vez mais distante quando olhamos ao redor. Sempre gostei de centros urbanos. Do barulho comum, fazendo um fundo musical ritmado que quase passa despercebido quando andamos pela rua cheia de pichações e lugares confusos. A cidade tem esse caos e a gente acaba se acostumando com isso. Pode perceber, se for num lugar sem esse barulho, a sensação é de um zunido, como após sair de um show com um som muito alto, mas a gente se acostuma e pode até achar que isso é parte do DNA da cidade. 

    Pouco tempo depois que a minha primeira filha nasceu, eu comecei a me sentir incomodada com o barulho da cidade. Quando percebi, estava reclamando do som alto dos carros, dos ensaios do vizinho de cima e das brigas dos bêbados às duas da manhã. Eu comecei a querer mais silêncio em casa. Primeiro porque se minha filha não dormisse, eu não dormia. Segundo, porque sem silêncio eu não conseguia mais desconectar e apenas descansar. De repente, comecei a entender as pessoas que se mudam para o interior e abrem mão das facilidades que o caos urbano proporciona. 
    
    Há alguns meses nossa família entrou num tempo sabático e isso era novo para mim. Novo, mas não desconhecido. Guardar o sábado é um dos mandamentos que Deus estabelece para o bem do homem, mas resumidamente, o descanso do sábado existe para lembrar o povo que Deus é Deus, e que confiar Nele é algo fundamental para o relacionamento com Ele. O descanso do sábado existe para lembrar o povo que quando Deus criou, Ele descansou. Ele não estava fadigado de criar, ou com sua forma esgotada, Ele usufruiu do descanso com o que havia criado, Ele estava com o homem, e o sábado foi para lembrar disso também. Era uma forma de declarar para todo o mundo que eles, o povo de Deus, escolheram parar e confiar no Senhor do sábado, que Ele é suficiente e que Ele não muda. Então, uma das coisas mais valiosas do sabático é poder cultivar isso profundamente, como um exercício, trazendo minha mente e meu corpo para onde meu espírito está. 

    Um dos significados de descanso é pausa. Eu enxergo como a mudança desse movimento, é para dentro. Isso é o que o descanso proporciona, ele me permite olhar para dentro. O tempo fica diferente, as motivações se tornam diferentes, e isso vai transformando tudo ao nosso redor. 

    Ainda gosto das facilidades da vida urbana, como poder tomar um café beirando a madrugada ou fazer compras no mercado num horário silencioso, como às 23hs, sim, eu já fiz isso. E já me orgulhei de conseguir fazer algumas ou muitas coisas ao mesmo tempo, mesmo que isso consumisse minha paz e aparente sanidade.  Afinal, isso é o que se espera de uma pessoa bem resolvida, enquanto os dias se passam e esquecemos de viver a partir do Shalom de Deus. E a cidade, com seu barulho e seu ritmo não apenas reflete a agitação interior, ela começa a ditar como o interior deve estar. Agitado, cansado, confuso, ansioso. Essas palavras não saem do vocabulário por muito tempo quando vivemos à sombra de um ritmo ditado pelo mundo e seus problemas, que sempre existiram, e sempre existirão. Walter Brueggemann disse "A multitarefa é o impulso de ser mais do que somos, de controlar mais do que fazemos, de ampliar nosso poder e nossa eficácia. Tal prática produz um eu dividido, com total atenção voltada para nada." Esse eu dividido quer provar que consegue, mesmo que isso custe um alto preço.  

    Aí retorno meus pensamentos para o que significa viver o Shalom de Deus. O que significa viver uma vida que busca e segue os passos da própria paz. Viver paz em meio aos caos. Viver num estado de paz, pois estou reconciliado com Deus. Retornando à unidade com Deus, em quem temos as bênçãos. Essa paz vem de partilhar um profundo relacionamento com a Aquele que tem todas as coisas em suas mãos. Isso não significa a ausência de problemas, mas no meio dos problemas e ritmos externos, existe uma profunda confiança no Deus com quem me relaciono. O mesmo que me permite descansar sobre coisas que eu poderia tentar controlar, e que provavelmente falharia de alguma forma. 

    Talvez tão cansativo quanto o caos das cidades e seus problemas, se torna cansativo viver artificialmente acima delas. Talvez acreditando que se eu me mudar para o interior silencioso eu vou viver uma profunda paz. Ou talvez acreditando que quando os problemas forem solucionados, a paz vai reinar absoluta. Às vezes sou tentada a acreditar que se eu conseguir acabar com a ansiedade, exista lugar para a paz em mim, mas a tal da ansiedade é persistente, chata demais. 

    Quando eu paro para tentar ouvir a paz, aquela que vem do profundo relacionamento, fica mais claro para mim que todo esse caos ao meu redor é uma boa lembrança de que eu não consigo viver longe Dele, mesmo que uma parte minha tente performar uma versão 2.0 bem resolvida. Essa fórmula antiga já vi que é melhor ser descartada, dessa eu não consigo aproveitar nada. Só algo desfeito e refeito, algo transformado pode viver uma paz plena. E essa é a minha jornada de paz em meio ao caos.  

"A mentalidade da carne é morte, mas a mentalidade do Espírito é vida e paz." Romanos 8.6


Espremendo o limão praia

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Espremendo o limão céu

    

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