A loucura sensata

É uma experência diferente chegar na oncologia com a barriga cada vez maior. Semana passada eu e Pedro fomos lá para pegar a papelada de um exame, e quando entrei na sala e passei pelo sofá mais confortável de todos, que estava quase lotado, percebi os olhares que diziam: coitada, tão nova, grávida e com o marido doente, já que a careca de Pedro confunde os seguranças, frequentadores e os que não me conhecem, porque agora ele se camufla entre os carecas do hospital. Sentei enquanto esperava para ser atendida e resolvi pegar um copo dágua, perguntei se ele queria e fui, voltei e depois da papelada para o exame colocaram a pulseirinha que parece de balada. Quando estava de saída reparei os olhares espantados de: ela é a doente!! Na hora quis muito rir da situação. E lembrei de muitas situações parecidas, quando as pessoas não achavam que eu estava doente e me perguntavam se eu tinha raspado cabelo por causa do calor, piolho ou por loucura mesmo. Isso se tornou um termômetro, se alguém olha para você e pergunta uma coisa desse tipo, quer dizer que sim, você está bem, ou pelo menos aparenta. Mas se você está apenas num dia ruim e resolve sair sem maquiagem e começam a perguntar se está tudo bem, não, não está tudo bem. Por favor dê um jeito nisso. Dificilmente isso funciona com o médico, mas eu ainda tento.

Mas agora o cenário é outro, e começo a escutar que estou com cara de grávida, mas isso parace meio óbvio. Mais gorda? Inchada? Corada? O que me faz ter cara de mãe? Isso se tornou uma dúvida engraçada. E agora não só a aparência, mas nas atitudes, porque começo a  perceber que pareço cada vez mais com Lolota, e ela cada vez mais com Dona Rosa. Ciclo estranhamente previsível. Isso me faz pensar que os sinais da idade já dão o ar da graça: parecer com a mãe, pai e avós.
Entendo melhor o porquê das loucuras que ela fez todos esses anos, e minha filha nem precisou nascer para eu perceber isso. Lembrei da loucura de sair da terrinha, deixando tudo para trás para tentar as menores porcentagens, apostando todas as fichas na certeza da fidelidade de Deus. Essa é a loucura da fé. Impossível de entender mesmo.
Há um tempo Lolota me confessou que antes da nossa vinda, Sr. Myiagi a havia alertado sobre os riscos do segundo transplante. Havia 30% de chance de sucesso e 70% de chance tudo acabar muito, muito mal.
Eu não sabia disso e depois agradeci por não saber, mas ela sabia, segurou essa emoção e com um amor louco veio de mala e cuia.
Quando descubro essas coisas penso que quero ser muito parecida com a minha mãe... com um loucura sensata, que pelo jeito dá resultado.


"Porque nele vivemos, e nos movemos, e existimos; como também alguns dos vossos poetas disseram: Pois somos também sua geração." Atos 17:28

Ela já disse que está tudo bem