O que fazer?

Entre nuvens e chuvas torrenciais, pouso na terrinha para aproveitar o feriadão da semana santa. De cara percebo que a cidade está diferente. Piscinões espalhados por todos os lados e um estresse além do normal no trânsito. Passo 45 minutos para encontrar uma saída não alagada de Olinda, o que rendeu boas risadas as custas da própria desgraça. Visitinhas, comidinhas e poucas horas de sono, porém mais do que da última vez. Miguelito me chamando "Lali", sua versão do meu nome certo  e mostrando que será um excelente praticante de le Parkour, pulando do berço, da cadeira, dos colos alheios e tudo isso cheio de vontades e risadas. Voltei uns centímetros mais cheinha… quilinhos de felicidade, pura felicidade.

Chego a Gotham City e o friozinho começa. Poucos dias de correria e chega o dia de fazer minha revisão. De todas, a que fiquei menos ansiosa. Quase quatro horas entre preparativos e o pólo norte que era a sala de exames. O frio doía e não me deixava pensar em muita coisa. E entre as preces que recitava na minha cabeça, caí no sono. 

- Pronto Larissa, acabou. - Saio com Lolota, que queria estar comigo na hora que eu recebesse o resultado, fomos almoçar e tentar disfarçar a tensão pós-PET pré-resultado. 

Mas quem recebe a noticia não sou eu. Ela liga para mim mais tarde conta tudo entre as lágrimas mal-disfarçadas. Não precisa dizer mais nada. -O que a gente vai fazer?- 

O peso dessa pergunta pode não fazer muita diferença pra você que está lendo essa postagem do meu humilde blog. Mas pra mim essa pergunta é uma das mais importantes. Ela vem impregnada de dor e lamentação, mas também mostra que existe esperança. - Eu estou cansada, aproveitando meus 20 e poucos anos, que não voltarão, cheia de sonhos e projetos, e essa notícia vem como um despertador não programado… o que eu vou fazer? Vocês podem imaginar que a noite foi difícil. Oro e peço paz. Paz nos pensamentos. Os protocolos não vão ajudar… eles já não existem. O que posso adiantar é que hoje retiro um dos dois linfonodos captados no exame, o maior deles, e tomarei uma vacina feita a partir dele. Em breve começo minhas sessões de Radioterapia Parte 3: Revolution. 

Esses são os planos até agora. -O que eu vou fazer?- Eu vou agradecer por ser uma recidiva pequena e pedir misericórdia. Vou chorar as dores da vida e vibrar com os resultados maravilhosos que virão no futuro. 

Se estivesse no meu lugar, você tentaria entende isso? Eu tentei/tento, mas desisto quando percebo que exige uma capacidade sobre-humana. Vai além do sofrimento da pele ou psico-emcional. Vai além do diagnóstico e imagens. De protocolos ou expectativas. É a própria vida que está em jogo.

.......

Sentei na cadeira mais antiga da casa. Ela era da madeira bem gasta, com cheiro de história. O chão também de madeira fazia um barulho quase imperceptível, mas que era comum e já fazia parte do desenho das coisas ao redor. Acendi a lâmpada amarela. Confortável e sem esboçar emoções, puxei uma folha de papel e uma caneta.  Eu não tinha nenhuma idéia do que ia fazer. Respiro fundo. E sinto que a história não terminou. Por onde passam meus pés surgem as letras que dão formas aos pensamentos que permeiam. Eu não quero escrevê-los e assim eles não se tornarão verdade. Eu não quero escrevê-los por que assim talvez eles não voltem de noite como palavras sussurradas, que tiram o sono, que doem nos ouvidos, que inquietam. Não quero lembrar do passado e dos sonhos do passado. Porque já os guardei há tempos. Mas agora aceitei o desafio de me permitir sonhar mais alto e assumir os riscos por isso.

Enquanto isso, ao homem cujo pensamento se esgotou ao receber os nãos da vida não posso dizer nada mais do que um tente outra vez. Ao homem ferido, mudado, cortado e por vezes emendado por procurar respostas e por uma brecha que nunca apareceu, eu posso dizer tente outra vez... só mais uma. Só mais uma. Ao homem que aceitou o não, resignado. Não digo que tente outra vez. Porque talvez perto dele eu me sinta pequena e provavelmente estúpida. Ou igual a todos os outros que vieram antes de mim.

Ao homem que se foi antes que a notícia boa chegasse, meu sentimento é triste e tão doloroso que não consigo dimensionar.

Para muitos, as esperanças se acabaram, pelos nãos que receberam, pelos nãos que deram às melhores coisas da vida por surgirem limitações... seria muito fácil falar tente outra vez enquanto assisto essa história da minha sala, confortável, segura.

Coisas que acontecem sem aparente explicação podem ser as mais importantes das nossas vidas. Boas ou ruins. Uma carga preciosa e única que, na hora que menos se espera, te dá forças pra olhar nos olhos e falar o que tem que ser falado. Chorar a dor imensa e depois erguer a cabeça. Podia ter sido diferente. Podia. Mas o passado é o que não pode ser mudado... já foi escrito. E quantos outros virão até que isso mude? É triste, mas é uma causa que tem que ser lutada. Não mais silenciosamente.

"Uns encurvam-se e caem, mas nós nos levantamos e estamos de pé." Salmos 20.8

1. para não perder o costume, registro dos cortes
2. quando pedi a foto do linfonodo para o cirurgião, ele me passou essa foto... ele nas Bahamas... ai que difícil (duvido que ele pensou que eu colocaria no blog)