Oi gente descolada

O dia é nublado, com pancadões de chuva. As pessoas correm e os carros jogam água nas pessoas que correm. Eu pego minha sombrinha, tem gente que ainda fala assim, e pego o ônibus que esteja menos cheio. Me assusto ainda com os preços das passagens e como meu Passe-fácil não vale mais, o meu passaporte da liberdade fica para quando eu criar coragem de enfrentar uma fila enorme para fazer um cartãozinho novo.
As ruas continuam as mesmas. As pessoas nem tanto. Andar na rua hoje em dia tem um gostinho diferente. Nunca pensei que me sentir normal de novo fosse ser tão bom. Não gosto de relembrar o que passei o tempo todo, muito menos de ser conhecida para sempre como a menina que teve câncer.

Existem cortes qua ainda não cicatrizaram, estes estão abertos e ainda causam uma dor imensa. Principalmente se vejo alguém numa situação semelhante a minha há alguns meses atrás. Um aperto no peito e o mesmo enjôo das quimios veem no mesmo momento. É incrível o poder da nossa memória.

>> Você não é a menina do câncer? Eu te vi na revista. Mas 'tá' tudo bem, né?

Não esperava que fosse fácil, ninguém disse que seria. Mas é muito mais fácil acreditar que as cicatrizes saram rápido e que tudo passa. Não... não é fácil e nem é rápido. É a verdade.



Agora vejo todo mundo falando de linfoma, a ministra está com linfoma. Ela vai fazer quatro meses que quimioterapia. Ligo a tv e os jornais falam sobre linfoma.

-As chances de cura são maiores quando se descobre cedo.





As chances de cura. As chances de vida.





São vidas.





Meu Deus.



"Eis que faço novas todas as coisas." Apocalipse 21.5b



Ensaio feito em abril/2008.
Em breve, novo layout no blog:)

Comentários

Anônimo disse…
Oi Lari,

Só quem já passou por tudo isso, pode ter uma idéia realista desse sentimento. Queremos sentir o gostinho de andar na rua, simplesmente esquecer o que já passou e viver. Mas não é nada fácil quando a memória ainda é facilmente reativada por tantos fatos e pessoas. Eu mesma às vezes sinto vontade de mudar de cidade e recomeçar a vida em outro lugar. Sou abordada interrogada a qualquer hora e qualquer lugar por pessoas com as quais nem sequer sinto empatia. Mas isso acontece porque tudo ainda é muito novo. Acho que temos o tempo a nosso favor. Conforme ele passa deixaremos de ser notícia, perderemos a graça (eh eh) e conseguiremos viver de novo como mortais comuns. Abraço. Nia
disse…
Eu sonho com o dia em que eu vou poder andar na rua, em meio as pessoas,sem se preocupar com infecções, febre,aglomerações, usar máscara.Quero me sentir como todo mundo denovo, acordar, pentear meu cabelo,não sentir cansaço,enjoos,meu catéter aqui lembrando que ainda tenho dois ciclos.
Nós passamos por algo que poucas pessoas vão sentir, poucos vão poder olhar pra vida de outro jeito.E só nós vamos poder dizer o quanto fomos pacientes nisso tudo, esperar, interromper, deixar de fazer, esperar denovo, o tratamnto não é pra sempre.
A marca de que tivemos câncer vai nos marcar pra sempre.

Acho ótimo a ministra ter vindo a público com o caso de Linfoma.Assim tiramos do desconhecimento, e passamos a informar mais a população.O câncer pode atingir qualquer um, não importa oq vc faz nesse mundo, ele não faz distinção.

Espero que esteja bem,
e que suas cicatrizes desapareçam,e se curem.

um beijo.
Dr.do absurdo disse…
É Lari, ser conhecida como a menina que teve cancer não deve ser nada agradável, mas esse 'teve' faz toda a diferença, e esse é um bom motivo para regozijar-se. Ser vencedor é pra quem pode e pra quem tem um DEUS como pai e como Senhor.

Um beijo
André Cid disse…
Larissa, tudo bem?
Estou escrevendo uma reportagem sobre Escrita Terapêutica para a Revista da Abrale - que você já deve conhecer. Queria conhecer um pouco da sua experiência com o blog. Você acha que posso te ligar na segunda-feira?
Aguardo sua resposta.
Meu e-mail é andre@rmceditora.com.br.
Abs.

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